OFÍCIO DOS OSSOS (para Juareiz Correya)




O que tens, poeta, é bem pouco
ou muito ou nada ou o que seja serve
para tua mitologia, sem sentidos
tens os pés e a hora do poema cheia,
uma enchente pelas ruas da cidade que significas.
Tens o prato; e a prata ?
tens a prata, uma pata medonha
que te esmurra de passagem
no meio do povo,
de novo,
todos querem ver
o tabefe te cobrindo o rosto, a rubra vergonha
que não tens e te roubas, tentando
palhacear, tentando palha cear
teu prato direto estômago chato
esta vida não te dá enjoos ?


Poeta, o que tens
não representará nunca teu minuto de sorte
contado teu tempo
escalas escadas
e te calas ? tu falas
safado, teu feijão é muito
(suficiente para qualquer um) desnecessário
para teu apetite, tua ração
faz falta aos porcos.


O que tens poeta não mereces
e se recebes um cruzeiro por igual valor
envergonhas o câmbio.
O que tens poeta é o que te cabe
e não serviria mesmo para ninguém mais.
O que tens, excedência dos outros,
existe apenas para teu desassossego,
para a miséria que permutas em teu nome
pelos que te esquecem,
em sacrifício dos que te evitam,
pela alegria dos que te entristecem,
pelos cacos da ruína que edificas
com essa nudez que surpreende os cães da platéia,
com essa nudez em que estrepas tesa
a confusão de ser




(do folheto UM DOIDO E A MALDIÇÃO DA LUCIDEZ,
de Juareiz Correya, edição do autor, Palmares, 1975)

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