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RECITAL (1 : Um)

nem interessa mais figurar minha fantasia de mim. eu sou sem retoques, sem adornos e bilheterias para o espetáculo estas poucas coisas que me desacertam e harmonizam meu sangue com bombas no coração do mundo. me vejo pior a cada dia separado dos outros por isto que lhes dedico. desejo apenas compor com todos uma alegria que sequestre todos os temores e uma entrega que não nos devolva a este tempo jamais. gritar nas ruas as novas promessas da gente, dizer um manifesto que revolucione e anule a ordem que vocês estabeleceram para calar suas vidas. para esse carnaval eu não escondo nada, não subtraio minhas energias nem evito qualquer janeiro para esse carnaval eu vou invadir as ruas ser a pele dos batuques o pano da troça o sexo da folia desembestando multidões no pulo dos passos bebedo de cantar ________________________________ (Do folheto UM DOIDO E A MALDIÇÃO DA LUCIDEZ, Palmares, PE, 1975)

"Eu acho que nada mais resta..."

Eu acho que nada mais resta a minha carne é para os cães deste século para os pósteros eu testemunho a loucura com as legiões de jovens famélicas pelas próprias vidas devoradas nos seus corações sem sombras para os pósteros eu só asseguro o direito aos meus ossos podres carniça odiosa que restarei ___________________________________ Do folheto UM DOIDO E A MALDIÇÃO DA LUCIDEZ, edição do autor, Palmares, PE, 1975.

UMA FAZENDA NO EDEN ?

para Marconi Notaro segurar esses bodes numa barra que não seja fácil nem nada ouvindo berros sossegos gatos pintados de tarde entre juremas & séculos ou vendo nos pés coqueiros com sexos de manhãs segurar esses bodes guiados de qualquer bar em nossas taças de mão em nossos copos leitosos bebido néctar de cores ou sangue de água & lodo mergulham em nossas gargantas longas peles de montanhas segurar todos os bodes no tanque das nossas bocas em nossa cria de sonhos amamentar todo mundo todos os bodes nos nascem na ponta de qualquer dedo & nestes sorrisos soltos cultivamos rebanhos pelas mesas citadinas onde sabemos de tetas que não se apagam madrugadas sem cerca & vegetação nossos bodes amadurecem vomitados com o chão. ________________________________ (do livreto AMERICANTO AMAR AMÉRICA & OUTROS POEMAS, Nordestal Editora, Recife, 1975)

CANÇÃO PARA MENINAS

desejo teus passos calcando chamados nas rodas da rua, nos vãos desta casa eu ouço teus passos me iludo & embaraço tuas sombras a minha eu quero teus risos nas vagas calçadas teus risos por perto tangendo mentiras de vocábulos inventados para os teus agrados me embriago em luzes dos teus olhos distantes em fogo aproximarei as mãos dos teus traços corpos ninféteis povoando meu sangue de correrias exponho a cara para o incesto maravilhado em tuas carnes tenras semi-fêmeas quase-mulheres que deliram meu sexo em horas sem métrica, quase-mulheres estandartes de gozo eu abrirei larga boca para os teus suores para os teus cheiros eu oferendo sede eterna de lábios que se aguçarão derramados na ânsia de beber teus centímetros em pedaços & alvoroçarem tuas inocências tuas ternuras guardadas, teus sexos verdes eu alcançarei teus espantos com alegria descobrirei tuas descobertas em mim amanhecendo ________________________________________ (do livreto AMERICANTO A

POEMA PARA LÉA (*)

quando a gente ama não reclama da cama do berço dos braços do suor em bagaços deitado em cima da gente quando a gente ama a gente se sente demente & se faz descrente do mundo inteiro quando a gente ama dançam na gente garras de chama & a boca gemente de gozar se derrama na gente-semente na gente somente quando a gente ama (do livreto AMERICANTO AMAR AMÉRICA & OUTROS POEMAS, Nordestal Editora, Recife, 1975) ________________________________ (*) Canção do compositor Paulo Diniz, interpretada por ele, com arranjos de João Donato, no elepê "Estradas" (Emi- Odeon, Rio, 1977), e por Wanderléa, com arranjos de Egberto Gismonti, no elepê "Vamos que eu já vou (Emi- Odeon, Rio, 1977). Regravada por Paulo Diniz no CD "Reviravolta" (Produção Independente, Recife, 2003).

CÂNTICO PARA JOELINA

Toma, toma tudo o que eu sou & a minha alegria crescida do meu corpo doido carnemoto. Dentro de ti eu cresço & me espedaço expassos me guiam, convergência de mim. Dentro de ti, aberto como este cântico eu me dou & nada exijo, eu me dou - este dar-se apenas dádiva, eu me dou. Me cavalga me cavalga me cavalga me cavalga a noite inteira, amor. Dentro de ti mergulhado, rígido & móvel eu te habito como um século novo, lúcida essência & fecundo tua alegria & teu êxtase. _________________________________________________ (do livreto AMERICANTO AMAR AMÉRICA & OUTROS POEMAS, , Nordestal Editora, Recife, 1975)

CANTIGA AO REDOR DO TEU SEIO

teu seio cheio assim tocá-lo nuvem de dedos a anestesiá-lo teu seio rubro hábil, manoplá-lo : ânsias de gestos a amamentá-lo teu seio amplo em dádiva têlo - cálice do corpo - na boca inteiro teu seio doce - erógeno fruto - pulsátil, bebê-lo com milhões de zelo ____________________ (do livreto AMERICANTO AMAR AMÉRICA & OUTROS POEMAS, Nordestal Editora, Recife, 1975)
_____________________________________ meus músculos se cobrem tensos & frouxos eu quero um corpo sem nome ao meu alcance & um púbis liso no meu rosto as pernas firmes no solo aquático vocês estão dentro de mim & entram ainda por todos os meus poros mulheres coloridas onde eu posso vibrar o chão se abre & vocês me absorvem & os meus músculos partidos estalam no ar tuas pernas morenas Hilda como folhas pelas minhas mãos chega o teu sexo o sexo daquela mulher que tem voz para cama Florinda Branca Hilda Marisa com as pernas frágeis abertas sobre os meus ombros os peitos pequenos & tesos da menina do trem pelas minhas mãos vocês me invadem & estragam o meu sexo como fruto _____________________________ (do livreto AMERICANTO AMAR AMÉRICA & OUTROS POEMAS, Nordestal Editora, Recife, 1975)

ORAÇÃO DE NARCISO

& se lambeu as mãos se bebeu nos braços se amassou no tórax se fundiu no ventre se partiu carícias se sorveu sussuro se escondeu escama do corpo dentro de si. & se ergueu do chão se apartou dos laços se estendeu, um touro se abriu em dentes se sortiu de notícias da carne urrando urros do corpo cheio de si. & se escorreu então se acendeu mormaço se apossou no clímax se partiu demente se somou lascívias do amor que ateia chamas do corpo mesmo por si. ________________________ (do livreto AMERICANTO AMAR AMÉRICA & OUTROS POEMAS, Nordestal Editora, Recife, 1975)

AMERICANTO AMAR AMÉRICA (9)

América América doce América árvores & bichos pregados nos meus cabelos como poros sexuais multiplicam-se eu sou tua alegria teu corpo teu deus & tu me amas orgasmos de esperanças luzes tontas na íntima Amazônia como os trovões da minha voz & os ardentes sonhos paradisíacos & teu cansaço febril na minha boca América América doce América (São Paulo, 1972) ________________________________ Publicado no livreto AMERICANTO AMAR AMÉRICA, Nordestal Editora, Recife, 1975.

AMERICANTO AMAR AMÉRICA (8)

América América doce América meu corpo te pertence flamejante e puro nas tuas entranhas me divido pasto para as tuas carnes vermelhas minhas carícias são mágicos jardins edênicos & brasílica brisa incendiada teu ventre se abre chão partido & me engole assim com a cólera de séculos paulicéias suicidam-se angustiadas nos escritórios & nas ruas com as cordas dos próprios músculos antes do carnaval & vítimas habituais ferem as suas dores no mesmo lugar agreste de águas

AMERICANTO AMAR AMÉRICA (7)

América teus gritos metem jovens nos meus ouvidos de todas as cores & raças mesclados irmãos nas ruas largas cantando canções me arrastam alegorias & países fantásticos de painéis aramadilhas de anúncios luminosos & cavalos voadores & dragões & poetas que alimentam-se de bombas atômicas & ventres duros de fome & choros de crianças guitarras & mundos inteiros ansiando a hora em que o fogo da minha carne destrua os lobos & abutres & porcos comedores de cabeças

AMERICANTO AMAR AMÉRICA (6)

América tuas veias correm lavras vulcânica no meu corpo todo possuído & pelos meus poros estraçalhados entram bandos de sóis argentinos explosivos como noites espanholas & eu me desespero poeta errante & louco sambando & cantando loas africanas nas duas dos teus seios impetuosos & vôo com os meus pés alados na planície arenosa de púrpura & sal para não descansar jamais

AMERICANTO AMAR AMÉRICA (5)

América eu bebo no teu suor correntes de petróleo & ouro & loucura eu sou um doido & bebo êxtase de tua boca licores estranhos & luxuriantes escorrem & umedecem-me a pele coberta de ilhas dos Andes crispada teu abraço carregadoesmagadormultiplo como avalanches multi modas coloridas vermelho azul tuas pernas monstruosas rasgam os panos de nuvens de galáxias & me esmagam com todos os desejos com toda a energia dos teus músculos de ferro com toda a fúria das tuas células famintas milhões de balas & besouros guerrilheiros tupamaros estalando nos varais da república desvairada & pombas brancas carregadas de dinamites para festas nas selvas & nos pântanos urbanos

AMERICANTO AMAR AMÉRICA (4)

América tua cabeça vomita jovens famélicas ninfomaníacas crianças sensuais & doces meninas brigando sexualmente pela minha carne espalhada em todos os lugares em todos os bares em todas as praias em todos os cinemas em todos os caminhos que vão & voltam em todos os espetáculos em todas as feiras em todas as casas minha carne ardente espalhada sobre as estrelas & a gosma & os satélites & o câncer & os automóveis luxuosos & a carniça & os prazeres financiados & a merda dos estados unidos

AMERICANTO AMAR AMÉRICA (3)

América tua alegria me embebeda eu sou teu deus poeta incandescido no teu ventre teus olhos brilham poemas terríveis gaivotas criminosas de Ginsberg & me enfeitam & me enfeitam arcoiris de luas gigantescas empoeiradas nos ruídos das motocicletas & há tanta doçura na gasolina matando a sede na minha garganta & alucinógenos & lírios & violetas & roseiras & porres de cocaína & rolos de maconha

AMERICANTO AMAR AMÉRICA (2)

América eu me dou com este corpo de criança que a tua febre come e joga para os céus dos chacais meu corpo virgem nas estradas que a tua volúpia rodopia além onde estão todas as promessas para que o meu gozo encha os mares & enterre todas as florestas com tempestades de espermatozóides

AMERICANTO AMAR AMÉRICA

este poema é dedicado à geração beat norte-americana que pariu o Anti-Sonho nos anos 60. América mulher de carnes cruas pregadas no meu peito como colunas de ventos colossais meus gritos são alegria de tambores & montanhas de plástico são doces campos de açúcar & rios de sangue cheios de troncos negros queimados na dança dos teus cabelos que a noite estupra gargalhadando

FINADIA

"Cavalgou mil camelos nas dunas do coração inquieto. Descansa, Lawrence of Arábia." (EPITÁFIO, de Érico Max Muller) Há urubus desgarrados contra o céu pela manhã. Este não é um dia como outro qualquer ? Sim, a tarde não foi feita para estes rostos falsos cinzentos mascarados eu sobrenado no cemitério ridículo onde besouros acendem velas e iluminam os semblantes dos mortos florindo nas sepulturas. Histórias saem do chão e arrotam contra o meu peito odor e elos com as suas bocarras estendidas. ________________________________ (antologia POETAS DE PALMARES, Palmares, 1973)

VELHA SECA

Se vocês conhecessem a mulher que eu falo não saberiam o que dizer. É difícil imaginar uma mulher desprezível ? Quando ela se aproxima da gente não há quem não reaja de algum modo, e são fáceis as caras de nojo e as brincadeiras, eu penso que ela vive de esmolas que lhe dão, ou se embebeda à toa, a velha ri com os dentes estragados sem equilibrar-se nas pernas finas, as pernas finas dela em meias ralas de lã e um casaco pobre que ela aperta para abrigar o peito murcho, a velha ri e diz coisas ininteligíveis como uma caveira alegre. Ontem eu estava louca pra fazer, ela disse assim sem espantar as caras habituais do bar. E contou se afogando no copo de vinho que procurou um homem a noite inteira e não encontrou nada, que passou a noite inteira com vontade de sentir um homem entrando nela e ela entrando no homem, ela disse que ficava sem saber o que fazer quando tinha vontade, ficava como louca procurando homens o dia inteiro. ___________________________ (antologia POETAS DE PALMARES, Pa

HISTÓRIA DE PROVÍNCIA

a velha apareceu na loja toda tremendo com as mãos na cabeça sem saber o que dizer mas disse que o mundo tava se acabando e o estudante correndo com o coração na boca atropelou muita gente porque pensava que o exército metia porradas no povo pra prender subversivos só o poeta viu os cavalos copulando na feira do domingo ensolarado viu os cavalos copulando sobre toldas e caixotes de legumes e vendedores apavorados só o poeta identificou o que causava tanta confusão na rua naquele dia num poema rindo _____________________________ ( antologia POETAS DE PALMARES, Palmares, 1973)

CANÇÃO

Dia para fecundar ilusões em que o meu corpo se acalme sem o teu corpo que não me chegou por nenhuma via, e o meu cérebro apodreça com sedativos vaporosos. Dia amargo. Não sei o que fazer corretamente não sei, enfrento caras obesas de hábitos dentro da rua sem calma, inquietação, sem sentimentos, tenho ódio de tudo com a força morta dos meus dedoscabelos amarrados nas janelas dos apartamentos e uma sensação idiota de que abro vazios dentro de mim com um bisturi enferrujado e sangro pelas cicatrizes fétidas cobrindo-as com pastas de tuberculose e dentes de máquinas mastigo pelos braços vagamente bolos de nada. Poemas gargaloam secamente até a minha boca e os meus gritos gelam as estrelas que ardem dentro das salas onde são seviciados e torturados os homens do meu tempo, onde a minha geração sacrifica-se pelo bezerro de ouro das igrejas depravadas e os anjos bíblicos forjam cadeias para as suas alegrias. ____________________________________ ( antologia POETAS DE PALMARES, Editora Palma

Catherine Deneuve (III)

Catherine eu me esforço e não te conheço além do pouco espaço desta cama e tenho medo e sinto frieza nos ossos quando os teus olhos se afastam do meu corpo teus olhos Catherine me inundam e me enfraquecem e exigem tantas vezes o meu sexo que me impõem a sensação de que estou aridamente seco estéril sou eu Catherine que me arrasto sem forças nos teus olhos e arrebento com fúria todas as coisas com os teus olhos Catherine não é possível que este quarto seja um quadro de solidão com a tua presença Catherine não é possível a câmera fecha-nos em círculos cada vez menores e explora a cama e os nossos corpos Catherine mas não é possível uma cena onde se respire solidão com a tua presença Catherine com os teus olhos Catherine em cima de mim na cama ( antologia Poetas de Palmares , Editora Palmares, 1973)

Catherine Deneuve (II)

além do pouco espaço desta cama eu me esforço e não te conheço como o mundo é tão estranho quando caminho pelas ruas e te procuro eu vejo teus cabelos claros esvoaçando com a brisa apertada dos subúrbios e teu riso mágico e teus olhos grandes e me penduro nos teus lábios confusos sorvetes sólidos cachorrosquentes em guardanapos de poemas pornográficos desenhados eu te procuro Catherine além do pouco espaço desta cama eu me esforço para te alcançar na tarde do parque florido e teus pés leves fogem em torno de mim sobre as árvores e teu corpo nu e tua nudez de mármore puro me alucina Catherine tuas coxas louras tuas nádegas teu dorso e eu rodopio Catherine e sobre as árvores admiradas e sobre cabeças caídas teu vôo me sacode entre répteis fracos me esforço para te alcançar e tu danças no meio de nuvens verdes

Catherine Deneuve

não te conheço além desta cama Catherine além dos limites desta cama do pouco espaço e eu não sei esconder a emoção quando ela me sacode como uma britadeira a emoção que me descobre nos rios dos teus olhos Catherine ah se inventarem outro slogan miserável como este eu matarei com as minhas mãos a rainha da Inglaterra, Catherine eu não te conheço além desta cama teus olhos me acalmam como um beijo morno teus olhos calmos doces carregam tua voz para me infundir mistérios Catherine eu penso que tua alma tem a vida de pântanos e de lugares onde reina uma paz assombrosa teus olhos pacíficos me derrotam nesta cama e teu corpo me cobre com a cárnea alegria do sexo Catherine quero comer-te todos os membros quando os teus olhos se abrem assim

Poema vago olhando a cidade

Minha cidade ficará gravada num poema lívido e vago Não será preciso citar becos e ruas inevitáveis em sua anatomia. Nem correr com a memória as lembranças e os minutos de agora. Minha cidade não será vista num poema sentimental. Conservarei oculto até o seu nome Neste poema de amor silente às suas coisas, a ela mesma. Palmares, janeiro / 1970.

AMERICANTO AMAR AMÉRICA & OUTROS POEMAS DO SÉCULO 20

Neste livro, apresento a minha poesia reunida publicada no século passado, e a sua publicação completa um ciclo de 40 anos da minha produção poética. São poemas publicados em antologias, livretos, folhetos, livro-solo, álbuns, até a última década do século 20. Não incluí, nesta reunião, os 40 poemas do meu primeiro livro de poesia, sem título, publicado em São Paulo no ano de 1971, e os poemas desse período que foram publicados em duas antologias paulistanas - POETAS DA CIDADE / SÃO PAULO, números 2 e 4 - organizadas por Renzo Mazzone (Editora Ila Palma, São Paulo, 1970/71); não incluí também os 45 poemetos das duas edições de CORAÇÃO PORTÁTIL (a de 1984, edição do autor, em tiragem de 500 exemplares, fora do comércio, e a de 1999, publicada pela Nordestal Editora, do Recife, em tiragem de 500 exemplares). O meu livro de estréia está ausente porque o considero, hoje, pelo seu hermetismo experimental, bastante distanciado do que eu acredito ser a poesia que escrevo; e CORAÇÃO PO