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Mostrando postagens de dezembro, 2009

RECITAL (1 : Um)

nem interessa mais figurar minha fantasia de mim. eu sou sem retoques, sem adornos e bilheterias para o espetáculo estas poucas coisas que me desacertam e harmonizam meu sangue com bombas no coração do mundo. me vejo pior a cada dia separado dos outros por isto que lhes dedico. desejo apenas compor com todos uma alegria que sequestre todos os temores e uma entrega que não nos devolva a este tempo jamais. gritar nas ruas as novas promessas da gente, dizer um manifesto que revolucione e anule a ordem que vocês estabeleceram para calar suas vidas. para esse carnaval eu não escondo nada, não subtraio minhas energias nem evito qualquer janeiro para esse carnaval eu vou invadir as ruas ser a pele dos batuques o pano da troça o sexo da folia desembestando multidões no pulo dos passos bebedo de cantar ________________________________ (Do folheto UM DOIDO E A MALDIÇÃO DA LUCIDEZ, Palmares, PE, 1975)

"Eu acho que nada mais resta..."

Eu acho que nada mais resta a minha carne é para os cães deste século para os pósteros eu testemunho a loucura com as legiões de jovens famélicas pelas próprias vidas devoradas nos seus corações sem sombras para os pósteros eu só asseguro o direito aos meus ossos podres carniça odiosa que restarei ___________________________________ Do folheto UM DOIDO E A MALDIÇÃO DA LUCIDEZ, edição do autor, Palmares, PE, 1975.

UMA FAZENDA NO EDEN ?

para Marconi Notaro segurar esses bodes numa barra que não seja fácil nem nada ouvindo berros sossegos gatos pintados de tarde entre juremas & séculos ou vendo nos pés coqueiros com sexos de manhãs segurar esses bodes guiados de qualquer bar em nossas taças de mão em nossos copos leitosos bebido néctar de cores ou sangue de água & lodo mergulham em nossas gargantas longas peles de montanhas segurar todos os bodes no tanque das nossas bocas em nossa cria de sonhos amamentar todo mundo todos os bodes nos nascem na ponta de qualquer dedo & nestes sorrisos soltos cultivamos rebanhos pelas mesas citadinas onde sabemos de tetas que não se apagam madrugadas sem cerca & vegetação nossos bodes amadurecem vomitados com o chão. ________________________________ (do livreto AMERICANTO AMAR AMÉRICA & OUTROS POEMAS, Nordestal Editora, Recife, 1975)

CANÇÃO PARA MENINAS

desejo teus passos calcando chamados nas rodas da rua, nos vãos desta casa eu ouço teus passos me iludo & embaraço tuas sombras a minha eu quero teus risos nas vagas calçadas teus risos por perto tangendo mentiras de vocábulos inventados para os teus agrados me embriago em luzes dos teus olhos distantes em fogo aproximarei as mãos dos teus traços corpos ninféteis povoando meu sangue de correrias exponho a cara para o incesto maravilhado em tuas carnes tenras semi-fêmeas quase-mulheres que deliram meu sexo em horas sem métrica, quase-mulheres estandartes de gozo eu abrirei larga boca para os teus suores para os teus cheiros eu oferendo sede eterna de lábios que se aguçarão derramados na ânsia de beber teus centímetros em pedaços & alvoroçarem tuas inocências tuas ternuras guardadas, teus sexos verdes eu alcançarei teus espantos com alegria descobrirei tuas descobertas em mim amanhecendo ________________________________________ (do livreto AMERICANTO A

POEMA PARA LÉA (*)

quando a gente ama não reclama da cama do berço dos braços do suor em bagaços deitado em cima da gente quando a gente ama a gente se sente demente & se faz descrente do mundo inteiro quando a gente ama dançam na gente garras de chama & a boca gemente de gozar se derrama na gente-semente na gente somente quando a gente ama (do livreto AMERICANTO AMAR AMÉRICA & OUTROS POEMAS, Nordestal Editora, Recife, 1975) ________________________________ (*) Canção do compositor Paulo Diniz, interpretada por ele, com arranjos de João Donato, no elepê "Estradas" (Emi- Odeon, Rio, 1977), e por Wanderléa, com arranjos de Egberto Gismonti, no elepê "Vamos que eu já vou (Emi- Odeon, Rio, 1977). Regravada por Paulo Diniz no CD "Reviravolta" (Produção Independente, Recife, 2003).

CÂNTICO PARA JOELINA

Toma, toma tudo o que eu sou & a minha alegria crescida do meu corpo doido carnemoto. Dentro de ti eu cresço & me espedaço expassos me guiam, convergência de mim. Dentro de ti, aberto como este cântico eu me dou & nada exijo, eu me dou - este dar-se apenas dádiva, eu me dou. Me cavalga me cavalga me cavalga me cavalga a noite inteira, amor. Dentro de ti mergulhado, rígido & móvel eu te habito como um século novo, lúcida essência & fecundo tua alegria & teu êxtase. _________________________________________________ (do livreto AMERICANTO AMAR AMÉRICA & OUTROS POEMAS, , Nordestal Editora, Recife, 1975)