UM DOIDO E A MALDIÇÃO DA LUCIDEZ, de Hermilo Borba Filho





     "O poeta é um ser que vive permanentemente em estado de sofrimento por si mesmo e pelo mundo que o rodeia. Quando o mundo atinge a sua zona mais alta de tortura, tanto no estado da lucidez como no das intuições (quase sempre mais válidas), o poeta se contorce como uma salamandra no fogo e canta tragicamente.  Por ser mais agudo e perspicaz que as pessoas que o cercam vê tudo mais além, exacerbadamente, desejando o que não pode e fazendo o que segundo os bons costumes não deveria fazer.  

     Juareiz Correya é um desses seres e este seu pequeno livro de agora diz, fotograficamente, com muita precisão, o que está acontecendo com ele : o poeta está triste e pessimista. Nenhuma esperança em suas palavras. Ele quer chorar e é um direito seu. Mas tenho cá comigo que devemos crer mesmo contra a esperança e é o que aconselharia se me atrevesse a dar conselhos : olhar em volta mais acuradamente, com esse olhar de gavião que os poetas têm mesmo quando se fingem de mortos, e ver que há coisas mais importantes para se cuidar além da própria dor, a começar pelo homem, indigente e desamparado.  

     Abro o seu livro e leio logo : Eu acho que nada mais resta / a minha carne é para os cães deste século; vou adiante e vejo : Nem interessa mais figurar minha fantasia de mim ; e continuo : De que me serve este amor / como uma chaga aberto ?; e vai : O que tens, poeta, é bem pouco; desilude-se : Tu és a mesma, longa, louca, luxenta, besta ; e finalmente uma esperança, talvez a única : A luz que me nasce fecunda a aurora ; mas perde-a : Eu não sei onde estou & não sei aonde vou ; e seus dois últimos versos são : eu escrevo como quem pratica crimes perfeitos / sem paz e alegria para esta descoberta inesperada.

     Este poeta pessimista  é um jovem de quem os jovens (e também os velhos como eu) muito esperam no colorido campo da esperança : resta que ele saia do pesadelo."   


(JORNAL DA CIDADE, Recife, PE, 1975)


_______________________________________________ 
Publicado no livro AMERICANTO AMAR AMÉRICA,
de Juareiz Correya ( Nordestal Editora, Recife,PE, 1982 / 
Transcrito do livro AMERICANTO AMAR AMÉRICA 
E OUTROS POEMAS DO SÉCULO 20, 
de Juareiz Correya (Panamerica Nordestal Editora, 
Recfe, PE, 2010) 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

AMERICANTO AMAR AMÉRICA (Sétimo Canto, São Paulo, 1972)

POETAS DE PALMARES (1973)

"AMERICANTO AMAR AMÉRICA" : UM POEMA COMPLETA 50 ANOS ! (Segunda Edição)